quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Sobre nascimentos

Em 1930, Carlos Drummond de Andrade, contando seus 28 anos, publicava seu primeiro livro “Alguma poesia”. Nesse livro Drummond registrava seu nascimento, com o seguinte poema:

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Sete anos depois, um jovem poeta com 21 anos de idade também publicava seu primeiro livro, igualmente registrando seu nascimento com o seguinte poema:


Cabeludinho

I

Sob o canto do bate-num-quara nasceu Cabeludinho
bem diferente de Iracema
desandando pouquíssima poesia
o que desculpa a insuficiência do canto
mas explica a sua vida
que juro ser o essencial

__ Vai desremelar esse olho, menino!
__ Vai cortar esse cabelão, menino!
Eram os gritos de Nhanhá.


Assim nasciam dois grandes poetas brasileiros. Drummond logo se tornou famoso, seu poema “No meio do caminho”, publicado dois anos antes, em 1928, na Revista de Antropofagia de São Paulo, já era considerado o maior escândalo literário do país. Seu reconhecimento era crescente.
O segundo, Manoel de Barros, somente teria seus poemas revelados ao grande público no início dos anos 80, ou seja, mais de quarenta anos depois de sua primeira publicação.
Assim são as veredas da poesia.