sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Eu e minha cidade

Talvez a maior alegria que já tive, como poeta, foi a apreciação crítica de meu primeiro livro pelo grande poeta Carlos Nejar que, em sua singela manifestação, disse-me, entre outras coisas, que o livro deveria se chamar "Sentimentos do Turvo", devido ao poema abaixo:

EU E MINHA CIDADE

Noite de lua baixa,
os cães ladram.
Grossas árvores centenárias
conversam em idioma próprio,
choram.
Os galos cantam
antes da hora,
um cadáver é velado
na penumbra;
alguém chora.
Céu raso,
colégio de estátuas.
Lúgubres gatos
caminham sem alarde.
Paisagens do Turvo.
Eu e minha cidade.

A solidão é fria;
o sono, enfadonho.
As casas dormitam
nas frias ruas;
garimpeiros de sonhos.
Um solitário pau-brasil
na praça vazia.
O esboço de objetos que
despertam sentimentos,
olhar turvo, miopia.
Casario antigo, tão belos à luz do luar;
um casebre na encosta do morro
possui também sua beleza,
pois pertence a este lugar.
Senhores e senhoras de idade.
Situações do Turvo.
Eu e minha cidade.

A história ferindo os olhos,
sentida na carne, no coração.
Nas ruas, o cheiro da vida,
nas casas, da morte, a condição.
O passado que faz chorar,
o futuro que desafia.
Filhos da terra
a ela retornarão!
Lugar onde se nasce,
chão onde se cria.
Folhas secas no solo,
alimentos da árvore são.
Nossos mortos, exemplos nossos,
vivos, in memoriam, estão,
desafiando os covardes.
Sentimentos do Turvo.
Eu e minha cidade.