sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Carta a Antônio Cândido

Quereria chegar aos 90 anos de idade, ou mais, e conversar com um jovem de minha terra natal. Dir-lhe-ia que sempre gostei dos casos do passado e que, quando criança, conversava muito com os mais velhos.
Contar-lhe-ia histórias e estórias. Desejaria dizer-lhe que conheci “um chamado João, fabuloso” e que li sua obra-prima, “com mentira e tudo, umas 50 vezes”, apesar de, na realidade, não o ter conhecido pessoalmente, pois minha idade não permitiu.
Quereria realmente despertar o interesse desse jovem e ver seus olhos brilharem ao ouvir minhas palavras, sentados na frondosa varanda de minha casa, em um sitiozinho no interior das Gerais, ou mesmo em um banco de praça, das muitas e belas praças das pequenas cidades mineiras. Quereria que seus olhos brilhassem como os meus hoje brilham, lendo um certo Antônio Cândido.
Aí o jovem mineiro olharia profundamente nas “minhas retinas tão fatigadas” e imaginaria o quanto esses olhos já teriam presenciado, querendo, como que num passe de mágica, compartilhar das mesmas imagens.
Relatar-lhe-ia algumas passagens interessantes da minha vida.
Mostrar-lhe-ia meu primeiro livro de poemas, com as páginas amareladas, escrito quando tinha a mesma idade sua, desejando que meus versos despertassem algum sentimento, alguma emoção no jovem com hábitos e modo de pensar certamente muito diferentes dos meus, pois que nascido e criado em uma época mais distanciada na linha do tempo. Desejaria que seus sonhos rompessem seu horizonte assim como os meus.
Quereria, finalmente, tocar no âmago de sua sensibilidade, fazendo-o compreender a minha profunda paixão pela literatura e pela poesia para que compartilhasse comigo desse amor como hoje o faz Antônio Cândido.