quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Caio Junqueira Maciel


Fotografia

Contemplo a fotografia do pai brincando com a última neta;
adivinho-lhe as palavras ditas, risos idos
percebo até mesmo os dedos se moverem,
tocando o nariz de Rachel.
Agora a fotografia vive, a criança grita,
sua mãe põe-lhe a chupeta e o avô caminha para a farmácia
ele segura algumas notas de um cruzeiro.
Ouço conversas corriqueiras de manhã de domingo,
vem da igreja um resto de sermão da missa das dez.
Sinto o azul do céu de Cruzília
que aos poucos pincela a foto em preto e branco.
O amarelo da igreja agride o verde do jardim,
na rua passa o fusca vermelho do sô Saulo
e minha mãe vem da feira trazendo couve-flor.
O cheiro de iguarias chega-me, nítido.
Vadico sutilmente surrupia um pastel da bandeja
e Aninha, de avental, inventa um novo prato.
Olho tudo, com fome de tudo, aqui,
do outro lado do retrato. 

sábado, 18 de setembro de 2010

Há exatos dez anos

Somente aos vinte anos de idade, e já cursando a Faculdade de Direito, em Juiz de Fora, a poesia pegou-me pelas mãos para mudar completamente a minha vida.
Depois do colegial e de um ano de cursinho pré-vestibular, estudando literatura de forma branda e sem a devida paixão, lendo apenas apostilas, foi aos 20 que o amor pela poesia surgiu de forma avassaladora, graças, basicamente, a dois Manoeis (1 com “o” e 1 com “u”), um Carlos e a meus dois irmãos:
Morávamos em um apartamento, em Juiz de Fora, eu, Juninho, meu irmão mais velho, cursando a mesma Faculdade de Direito e Marco Túlio, o caçula, fazendo cursinho para ingressar na Faculdade de Medicina.
No dia 18/09/2000, ou seja, há exatos dez anos, eu e Juninho compramos, de meia, um livro chamado “Estrela da Vida Inteira” do Manuel Bandeira. Comecei a lê-lo e encontrei um poema assim:

Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.

Ao terminar de ler o poema, foi como se tivesse ocorrido uma explosão em minha cabeça. Fiquei pensando em como alguém poderia escrever algo tão simples e tão grandioso como aquilo que eu acabara de ler. Tão lindo, tão perturbador! Fiquei alguns meses lendo e remoendo aquelas palavras e, de certa forma, inconscientemente, descobrindo o que realmente era a poesia.
Dois meses depois, no dia 03 de novembro, conversando com o Marco Túlio, este reclamava da vida de estudante de cursinho e, pegando um livro, me deu um exemplo:
- Veja, pra que eu tenho que ler um livro deste, para fazer Faculdade de Medicina?
Curioso, peguei o livro e li o título: “O livro das ignorãnças”...
Abri-o e li isto:

VII

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia, que é voz de poetas, que é a voz de fazer
nascimentos –
O verbo tem que pegar o delírio.


Outra explosão! Agora acompanhada de um espanto e de um torpor que até hoje me arrebatam quando leio Manoel de Barros.
Seguia os dias lendo com freqüência esses dois poetas, quando mais um livro, que meu irmão ganhara para os estudos, chegou-me às mãos, com as mesmas reclamações de outrora: “Sentimento do mundo”...
Já conhecia, logicamente, o autor, devido aos estudos no colegial. Afinal quem nunca ouvira falar de Carlos Drummond de Andrade?
Abri o livro e descobri a grandiosidade da poesia desse homem ao ler, principalmente, isto:

Confidência do itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Meus irmãos nunca mais leram poesias.
Eu nunca mais parei de ler poesias.
Nunca mais deixei de viver a poesia.

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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1.

viu um bico amarelo vuano
tucano







2.

a rotina do gado vacum
essa mesma rotina que move o mundo