quinta-feira, 29 de outubro de 2009

CAPRICHOS E REQUINTES

Na tarde molhada de pintado arco-íris
um homem chega ao seu chão
recebido com requintes de pão de queijo
e café em bule esmaltado.

Ali louva o amor e o roçado.
Admira as rãzinhas, centenas, nas poças de chuva,
observa, encantado, a caixa do marimbondo-tatu e
uma quaresmeira que, amadrinhada com um ipê roxo,
somente grita suas flores em agosto.
Caprichos da natureza.

Ali onde angu com feijão, sabe-se, é bom para nenê comer,
mas que o que mesmo faz criança crescer
é o tempo.

Ali chega com a goela espremida e
agradece todos os dias por não mais
precisar ir embora amanhã e
nem qualquer outro dia.

.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Canção

Chão de barro
coração.
Enxada na mão
Nosso pai!

Criança é começo.

Matuto olhando o luar
aluar.
Galos no terreiro
Teu sorriso!

Crescer é canção.

Uma flor para teu olhar
olhar.
Um jacarandá
O fim!

Corpo é só corpo.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Trindade

Outrora estive nas longínquas tendas.
Sultão... o meu serralho... as bailarinas...
A música das harpas, oferendas...
Alvos sorrisos, bocas coralinas.

Desci de manso, assim como nas lendas,
Do doce Nilo as águas sulfurinas.
No barco azul de vaporosas rendas,
O perfume enebriante das resinas.

Depois... fui me aportando de mansinho;
Desprendeu-se a âncora do barco... e fiz
O meu porto no mar de teu carinho.

Hoje, em meu quarto, tenho paraíso
Nesta trindade que me faz feliz:
A chuva, o meu cachimbo e o teu sorriso.

13 de junho de 1956

Poema do saudoso poeta andrelandense Dr. Pascoal Araújo

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Louvação

Ajoelhe no oratório de chão, perante o altar das árvores,
e acenda os cânhamos para agradecer o rebento que nasce
e que chora, com boa saúde, pelo leite da mãe.

Velas queimando em louvação e os bois berrando,
o tabapuã de olhar calmo e sereno,
o guzerá pegador, de índole má, que investe na sombra.

Rezas, rêses, rendas e ruindades no seu chão e
as marrecas e paturis no vôo solo ou em bandos
que orquestram a sinfonia do ar.

Curve-se diante da imponência e da fertilidade de
um mísero grão de feijão e comece a acreditar na
soberania e na força da multiplicação desse pequeno bago,

pois quem crê na soberania do pequeno
compartilha do grande conhecimento dos mais sábios
e herda o reino da paciência e da sensatez.

Contemple por mais tempo a pacificidade da lagoa e
agradeça o dom de adivinhar a mandioca no chão;
caminho de raízes, guiadas pelas vozes da terra.

Chore devido à fumaça da lenha ruim estalando
nas brasas do fogo que hipnotiza o olho
descansado do pobre velho cansado.

Cante, com as lavadeiras da curva do rio,
a pureza da água que dissolve o sabão de cinzas
que esfrega a brancura dos linhos e algodões .

E olhe ao redor, admirando a grandeza de seu pequeno mundo.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Conhecência

do alto de seus oitenta anos
um homem verde de jacarandás
descobre a fundura das coisas
e atribui um nome a ela:




do meu livro Quotidiano

sexta-feira, 19 de junho de 2009

O avô de meu avô*

Exmo. Sr. Secretário de Saúde do Estado de Minas Gerais, Marcus Pestana.
Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Andrelândia, Samuel Isaac Fonseca.
Demais autoridades aqui presentes.
Amigos conterrâneos, parentes, Sras. e Srs.
Primeiramente, gostaria de agradecer, em nome de toda a família, à Prefeitura Municipal de Andrelândia, tão bem representada pelo nosso dinâmico Prefeito Samuel, por esta homenagem prestada ao meu avô, Dr. Edson. Justa homenagem, eternizando aqui, nesta unidade de saúde, o nome de quem fez do exercício da medicina um verdadeiro sacerdócio.
O que seria do homem sem a sua história? Nada.
Feliz do homem que conhece e valoriza sua história e a transmite às gerações futuras.
É, pois, sobre a história de um homem simples, de um médico que dedicou sua vida aos seus pacientes, que falarei um pouco aqui.
Quando o avô de meu avô acolheu o neto em seus braços, na suntuosa sede da Fazenda Cachoeira, no então distrito de Madre de Deus, acariciou-o e abençoou-o, louvando a Deus pela saúde do rebento. Dois anos depois, aos 65 anos, morria no então distrito de São Vicente Ferrer, em sua vivenda, no Largo da Matriz.
Severino Augusto dos Reis Meirelles, Major da Guarda Nacional e influente líder do Partido Republicano do Turvo não viu, assim, seu neto crescer.
E o menino Edson, em graça e sabedoria foi crescendo.
Fez os estudos primários em São João del Rei, sua terra natal e aos 20 anos ingressou na Faculdade de Medicina de Minas Gerais.
Formado médico, em 1941, voltou para São João del Rei, clinicou por um ano, indo em seguida para Mirai/MG, onde trabalhou de 1942 a 1943 e onde conheceu sua futura esposa Maria da Glória, com quem se casaria em 16 de julho de 1945.
No início de 1944, o Sr. José Tibúrcio Salgado, mais conhecido, pelos andrelandenses por Sr. Juca Salgado, foi a São João del Rei fazer um convite ao jovem médico, para que viesse trabalhar nesta cidade. Assim, no dia 19 de março do mesmo ano, ao lado do médico Dr. Diniz Rangel e do cirurgião dentista Dr. José de Andrade Godinho, começou a trabalhar na Santa Casa de Misericórdia desta cidade, na qual, podemos afirmar, sem exagero, passou mais tempo de sua vida do que em sua própria residência.
Médico dedicado e bondoso, excelente obstetra, operador e clínico, reunia todas as qualidades que apreciamos em um médico: a competência, a esmerada educação, a finura no trato, a paciência e a dedicação. Não tardou a tornar-se um prestigiado líder político, sendo nomeado interventor municipal, quando do fim da Ditadura Vargas, exercendo o cargo do dia 28 de fevereiro a 31 de dezembro de 1946, vindo, em seguida a ser eleito vereador em 1951, cargo que exerceu durante vinte e um anos, até 1973, quando foi eleito prefeito, sempre pelo mesmo partido que outrora defendera seu avô, o Major Severino Augusto dos Reis Meirelles.
Aqui morou, aqui foram nascendo seus filhos: Maria do Carmo, minha mãe, Edson Filho, que seguiu a mesma profissão do pai, Fátima Cristina, Lúcia Beatriz e Francisco Eugênio. Aqui viu nascer os netos, dentre os quais, hoje contempla, de onde estiver, quatro colegas de profissão: Érika, Marco Túlio, Edson Netto e Eveline. Aqui cumpriu primorosamente sua sina de curar e aliviar a dor do próximo. Nesta terra, que adotou como berço natal, deixou seu suor, seu legado, suas lágrimas, seus frutos, e seu exemplo aos filhos e netos, que vieram ao mundo por suas abençoadas mãos. Nesse chão que amou incondicionalmente, repousou seu corpo, falecendo em 15 de agosto de 1994.
Dr. Edson de Rezende Meireles, que um dia acolheu-me em seus braços, acariciou-me e abençoou-me assim como fizera com ele o Major Severino Augusto dos Reis Meireles, avô de meu avô, e assim como o farei com meus netos e estes o farão, por sua vez, com os seus netos, nesta sempre mágica e misteriosa sucessão das gerações.

*Discurso proferido na inauguração da Unidade Básica de Saúde que recebeu o nome de meu avô, Dr. Edson de Rezende Meireles, em Andrelândia, no dia 18 de junho de 2009.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Um poema deve sempre emocionar?
Sim, deve emocionar primeiro o poeta e depois o leitor.

Ferreira Gullar, em entrevista à revista BRAVO!

terça-feira, 10 de março de 2009

(quero)
a essência mineral das pedras
a intensidade de sua solidez

exaurir todas as possibilidades
das pedras
das palavras

a vastidão


(poema do meu novo livro "Quotidiano" com lançamento previsto para o dia 13/06/2009)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Eu e minha cidade

Talvez a maior alegria que já tive, como poeta, foi a apreciação crítica de meu primeiro livro pelo grande poeta Carlos Nejar que, em sua singela manifestação, disse-me, entre outras coisas, que o livro deveria se chamar "Sentimentos do Turvo", devido ao poema abaixo:

EU E MINHA CIDADE

Noite de lua baixa,
os cães ladram.
Grossas árvores centenárias
conversam em idioma próprio,
choram.
Os galos cantam
antes da hora,
um cadáver é velado
na penumbra;
alguém chora.
Céu raso,
colégio de estátuas.
Lúgubres gatos
caminham sem alarde.
Paisagens do Turvo.
Eu e minha cidade.

A solidão é fria;
o sono, enfadonho.
As casas dormitam
nas frias ruas;
garimpeiros de sonhos.
Um solitário pau-brasil
na praça vazia.
O esboço de objetos que
despertam sentimentos,
olhar turvo, miopia.
Casario antigo, tão belos à luz do luar;
um casebre na encosta do morro
possui também sua beleza,
pois pertence a este lugar.
Senhores e senhoras de idade.
Situações do Turvo.
Eu e minha cidade.

A história ferindo os olhos,
sentida na carne, no coração.
Nas ruas, o cheiro da vida,
nas casas, da morte, a condição.
O passado que faz chorar,
o futuro que desafia.
Filhos da terra
a ela retornarão!
Lugar onde se nasce,
chão onde se cria.
Folhas secas no solo,
alimentos da árvore são.
Nossos mortos, exemplos nossos,
vivos, in memoriam, estão,
desafiando os covardes.
Sentimentos do Turvo.
Eu e minha cidade.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Onde enterraram nossa história?

Começo esse ano de 2009, meio tarde, é certo, mas começo com um poema do meu novo livro que, se tudo correr bem, será publicado este ano.


Onde enterraram nossa história



Onde enterraram nossa história?

De certo no mesmo local onde
jazem as nossas esperanças.

Sendo cartas, documentos e fotografias
nada mais do que nossas memórias
materializadas.

Onde estarão enterradas nossas memórias?

De certo dentro de nós mesmos onde
jazem todas as nossas esperanças.

Eis que se faz necessário
revolver a terra,
expor os ossos.

Desenterrar nossa história,
expô-la à luz do sol,
aos olhos de todos.

Descobrir o jazigo da história e
exumá-la juntamente com
nossas esperanças, pois que
certamente foram enterradas juntas.