quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Dantas Motta em Andrelândia

Por morar em Aiuruoca e exercer a advocacia em toda a região, Dantas Motta muito frequentou minha cidade natal.
Em Andrelândia, depois das audiências e júris, ele ia sempre tomar uma pingas e comer umas lingüiças de porco no bar do Zé Ferreira, juntamente com outros advogados e meu pai, que naquela época também advogava. Quando meu pai me contou não acreditei.
Então alí, no balcão do Zé Ferreira, onde eu também já bebi, na minha pequena Andrelândia, um dos maiores poetas brasileiros, amigo de Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade, já bebeu com meu pai e seus amigos que pensavam que ele era apenas um advogado.
"Ironias" do País das Gerais!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Um poeta caipira

“Você já leu o Dantas Motta?”
Mário de Andrade perguntou a Sérgio Milliet, que respondeu ainda não ter lido.
“Carece”, observou Mário.
Assim Sérgio Milliet inicia a apresentação escrita na “orelha” do livro Elegias do País das Gerais, editado em 1961, pela José Olímpio, do poeta mineiro Dantas Motta.
Elegias do País das Gerais (publicado originalmente em 1946) é considerado pela crítica especializada um dos mais importantes livros de poesia escritos em Minas Gerais, apesar de ser ainda pouco conhecido do público em geral.
Dantas Motta, o autor, nasceu em Carvalhos, então distrito de Aiuruoca, no sul de Minas, em 1913, saindo para estudar Direito na Capital do Estado e retornando para Aiuruoca, onde passou a exercer a advocacia, militando em todo o sul de Minas e São Paulo. Mas sua vocação era a poesia.
Diferentemente de outros grandes escritores mineiros, Dantas Motta não abandonou sua terra natal e, talvez por isso seu nome seja pouco conhecido no cenário da literatura brasileira. Em Aiuruoca trabalhava e escrevia, isolado, no porão de sua casa, onde tinha uma biblioteca com aproximadamente 15 mil livros. Gostava de pescaria, de fumar um cigarrinho de palha e de comer lingüiça e outros derivados de porco sempre regados por doses generosas da autêntica pinga mineira.
Amigo de Mário de Andrade, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, entre outros, Dantas Motta sempre escapulia para São Paulo e Rio de Janeiro para um dedo de prosa com os amigos. Devido a esse estilo de vida, Drummond o classificaria como “o caipira mais civilizado que já vi entre literatos”
Assim era Dantas Motta que partiu definitivamente em 1974, deixando Aiuruoca e Minas Gerais mais tristes.
José Franklin Massena de Dantas Motta, obrigado!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Dantas Motta

Éclogas Pequenas em que Fala um Só Pastor

No Sertão das Vacarias o leite e o País
escorriam do mistério e das estrelas serranas.
As vacas, ruminando o tempo,
pastavam o sereno num campo de bíblias.


E foram delas, Joaquina, e foram delas
que Jó nasceu, o Cristo e meu pai.
E o eu sabê-lo morto, mortas sei as invernadas,
por isto, substituindo-o na paterna casa,
aonde agora razão venho dar de mim,


esforço envidei por que corresse ainda,
nas margens de um sentido crepúsculo,
um novo rio que da pobreza manasse.
Tudo o que eu pude dar-vos dela,
em sossego e noite, perdi. Porque a noite,


hoje em mim, é apenas lembrança de poesia,
sol e crescimento. Contudo
nela ainda precisamos crer, Joaquina,
como a morada da paz, da nostalgia
e da conformação, além do que


todos os dias são prisões, nunca exílio.
E se eu em Deus outra vez vier a crer,
e esta carcaça, de novo, Ele se dignar
de bem cavalgar, que o faça à noite
com seus túmulos e suas estrelas,


porque, em verdade, o dia me envelhece.
De fato eu creio que morri.
E quem não morreu, Joaquina?

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Sobre nascimentos

Em 1930, Carlos Drummond de Andrade, contando seus 28 anos, publicava seu primeiro livro “Alguma poesia”. Nesse livro Drummond registrava seu nascimento, com o seguinte poema:

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Sete anos depois, um jovem poeta com 21 anos de idade também publicava seu primeiro livro, igualmente registrando seu nascimento com o seguinte poema:


Cabeludinho

I

Sob o canto do bate-num-quara nasceu Cabeludinho
bem diferente de Iracema
desandando pouquíssima poesia
o que desculpa a insuficiência do canto
mas explica a sua vida
que juro ser o essencial

__ Vai desremelar esse olho, menino!
__ Vai cortar esse cabelão, menino!
Eram os gritos de Nhanhá.


Assim nasciam dois grandes poetas brasileiros. Drummond logo se tornou famoso, seu poema “No meio do caminho”, publicado dois anos antes, em 1928, na Revista de Antropofagia de São Paulo, já era considerado o maior escândalo literário do país. Seu reconhecimento era crescente.
O segundo, Manoel de Barros, somente teria seus poemas revelados ao grande público no início dos anos 80, ou seja, mais de quarenta anos depois de sua primeira publicação.
Assim são as veredas da poesia.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

João Francisco e as folhas secas

Meu filhinho, João Francisco, agora com um ano e três meses, está começando a balbuciar algumas palavras e já entende muita coisa do mundo que o cerca.
Coisa que ele já sabe fazer bem, e sabe que dá resultado, é pedir objetos de sua preferência.
Vê um celular ou um controle remoto e já começa a pedir: “Dá, dá, dá...”
Tudo que ele vê alguém comendo já pede: “Dá, dá, dá...”, ou seja, já sabe que “dá, dá, dá” é a palavra mágica para ganhar o que deseja.
Domingo de manhã, estávamos na frente da nossa casa onde tem uma grande árvore. João Francisco é encantado pelas folhas secas caídas no chão e, se deixar, fica horas brincando com as mesmas, balbuciando seus “us” e “bas”. Fiquei olhando-o sentadinho debaixo da árvore e observando suas reações (passatempo preferido de pai). De repente deu um vento forte e caíram mais algumas folhas secas no chão já cheio delas. João Francisco olhou bem para o alto da árvore, olhou para as folhas no chão, olhou novamente para o alto da árvore e, vendo que as folhas vinham lá de cima, não hesitou em usar a palavra mágica: "Dá, dá, dá..."
Ele queria ganhar mais folhas secas e sabia que a árvore é quem as daria, mediante seu pedido...

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Didática

Aprendi, ainda criança, que água e terra
davam barro e sujavam as mãos e a roupa.

Aprendi que para matar porco, era preciso
acordar bem cedo, com o céu ainda escuro.

Aprendi a pular muro alto, mesmo que, para
isso, arranhasse os dois joelhos.

Aprendi, com muita insistência, a ficar longe
dos meus pais quando viajava nas férias escolares.

Criança aprende rápido, compreende.

E então vi que era só lavar a sujeira,
percebi que o controle do tempo fazia a diferença,
senti a necessidade do sacrifício para se
alcançar um objetivo e, finalmente,
aprendi que nunca devemos ficar longe
de quem muito amamos.

Foi assim...

(do livro Ensinamentos de amor de JúlioCésar Meireles de Andrade)

terça-feira, 14 de agosto de 2007

PODEM QUEIMAR MEUS POEMAS,
MAS MINHA POESIA, NUNCA.

terça-feira, 17 de julho de 2007

O que é a poesia?

1. Arte de escrever em verso. 2. Composição poética de pouca extensão. 3.Entusiasmo criador. 4. Encanto, graça.*
* Dicionário Aurélio

Creio que a poesia seja algo muito mais abrangente que uma arte ou um entusiasmo criador. É arte, sim; é entusiasmo e encanto sim, mas é muito mais.
A poesia é a vida. A poesia da vida. Viver é poesia.
Mas a morte é também poesia. Morrer é poesia.
Não só o que é belo contém poesia. O feio, o triste, o sofrível têm poesia.
A poesia paira no ar; é o próprio ar que se respira.
É a comida (a poesia de um frango com quiabo no fogão à lenha da casa antiga da fazenda de seus avós); a poesia de um almoço com a família reunida.
A poesia é a fome.
A violência e a brutalidade da fome transformada em poesia.
É a indignação causada pela fome.
É um sentimento. Talvez o melhor conceito para a poesia, sentimento.
Bom ou ruim, não importa. Qualquer forma de expressão do sentimento humano é compatível com poesia, é poesia.
O que você sente quando vê uma casinha antiga, num vilarejo distante, um carro de boi, uma fumacinha saindo da chaminé? Poesia.
O que você sente quando vê o trânsito parado numa grande metrópole, muitos prédios, muita gente apressada, um barulho ensurdecedor? Poesia.
Nostalgia. Poesia.
Tédio. Poesia.
Infância. Lembranças. Poesia.
O que você sente por sua mãe, por seu pai, seus irmãos. Poesia.
Amor. Poesia.
O que você sente quando ouve sua música favorita? Poesia.
Chuva, calor, frio, sol. Poesia.
Sexo. Poesia.
A poesia é tudo.

Poesia, não poema.

Um pintor vê uma paisagem. Uma pessoa. Um animal. Qualquer coisa.
Pega o pincel e retrata o que viu em uma tela, parede, muro, porcelana, etc, dando origem, em uma das hipóteses, a um quadro.
Ele pode distorcer, ocultar, alterar, muito ou pouco, mudar as cores, ou simplesmente retratar fielmente o que viu.
O talento será fundamental.
Entendendo o talento como sendo a quantidade de existência que o artista acumula no seu trabalho, a entrega do artista.
Igualmente, o poeta, primeiramente sente a poesia, capta, apreende.
Pega o lápis e retrata o que sentiu em uma folha de papel, dando origem a um poema.
Ele pode distorcer, ocultar, alterar, ou simplesmente retratar fielmente o que sentiu.
A quantidade de existência que o poeta joga em sua obra é fundamental. A entrega é fundamental, a entrega do poeta. A entrega, essa é a palavra

terça-feira, 10 de julho de 2007

29 anos

de uns vinte e nove anos pra cá,
poucos poetas me fizeram
amar intensamente um poema

reler a cada dois ou três dias
reler e reler em alta voz
e sentir o poema percorrer os ossos

a ocasião faz o poema?

de uns vinte e nove anos pra cá
tenho lido poucas coisas que
me tragam a perplexidade necessária

sim, a perplexidade necessária
que anda escassa e por isso mesmo,
cada vez mais necessária

escassos vinte e nove anos
com algumas raras exceções que,
vez ou outra, abalam
nossos frágeis esqueletos.

terça-feira, 3 de julho de 2007

O "Beethoven do sertão"

Conhecido e admirado pelo Brasil afora como “artesão dos sons”, o violeiro Zé Côco do Riachão foi criado na localidade de Riachão, onde nasceu, às margens do rio que leva o mesmo nome, na confluência dos municípios de Mirabela e Brasília de Minas, no Vale do São Francisco.
O pai era fazedor e tocador de violas. No momento de seu nascimento, passava uma folia-de-reis e ele foi consagrado pela mãe aos santos Reis; por isso "dos Reis" registrado em cartório. Ouvindo seu pai tocar desde que nasceu, aos 8 anos, já tocava viola que ele mesmo ia aprendendo a fazer. Foi marceneiro, carpinteiro, ferreiro, sapateiro, fazedor de cancelas, de engenho, de carro de boi, curral de tira, roda de rolar mandioca, mas o que o tornou conhecido, inclusive internacionalmente, foi a excelência dos instrumentos que fabricava e tocava: viola, violão, cavaquinho e rabeca. Aos vinte anos, assumiu a pequena fábrica de instrumentos de seu pai.
Saía mata afora, batendo com a mão fechada nos troncos das árvores para ouvir o som produzido pelas batidas; e assim ia escolhendo os tipos de madeiras para a confecção de seus instrumentos; e assim ia cumprindo sua sina; e assim aprendeu a ouvir os sons que se escondem em cada pedaço de folha, em cada árvore, em cada pedaço de pau, em cada “centímetro do chão de Minas Gerais”, como ele afirmava.Iniciou a vida artística acompanhando seus pais nas folias-de-reis. A carreira em discos começou em1980, com o lançamento de "Brasil puro" disco considerado por unanimidade pela crítica, como um verdadeiro achado da expressão da nossa cultura popular.
Calangos, valseados, dobrados deram o tom do repertório do artista que foi um dos maiores representantes da tradição da viola. Homem do povo, autodidata, artesão de sons, ele viveu 68 anos praticamente no anonimato, ocupado somente do ofício de construir e consertar instrumentos.
Salve Zé Côco do Riachão, maestro das árias do Sertão.

José dos Reis Barbosa dos Santos, obrigado!

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Relembramentos

Quando cheguei naquela Faculdade, no primeiro dia de aula, foi como meu primeiro dia no “Jardim da Infância”, só que eu não podia chorar e muito menos abraçar as pernas de minha mãe.
Não conhecia ninguém, não conhecia a cidade; não sabia sequer o que era o Direito e, quando aquele professor entrou na sala de aula, falando um monte de coisas em latim, pensei seriamente no que eu estava fazendo ali.
Era estranho acabar de conhecer uma pessoa e, na mesma noite, já dormir no mesmo quarto com ela, em uma “república”.
A primeira semana foi muito difícil e, se eu pudesse, voltava correndo para as minhas Minas Gerais. A comida não passava na garganta espremida e tudo lembrava minha casa, minha família, meus amigos. Era difícil, mas necessário.
Como tudo na vida, com o tempo comecei a acostumar.
Acordava todo dia bem cedo e ia a pé para a Faculdade, sempre cantarolando: “Lá vou eu de novo andando assustado, como Ali Babá e os quarenta ladrões...” (grande Raul)
Morava com mais quatro rapazes num apartamento de dois quartos, mas passava o dia inteiro sozinho, pois eles trabalhavam ou ficavam nas casas das namoradas.
Uma das coisas que me confortava era visitar o Museu Imperial. Andar no mesmo jardim onde D. Pedro II e sua filha Izabel passeavam era fascinante. Percorrer os corredores da casa de campo do Imperador do Brasil e sentir um pouco da história do meu país era algo que sempre renovava minhas forças.
Comecei a gostar da Faculdade, principalmente da biblioteca, a qual lamento não ter tido mais tempo de explorar. As aulas de I.E.D.(Introdução ao estudo do Direito), eram as preferidas. (Até hoje eu estudo pela apostila desse professor)
Contudo, no primeiro ano da Faculdade de Direito em Petrópolis, do que mais aprendi, confesso não ter sido o Direito, nem tampouco história do Brasil, devido à influência do meio, mas sim rock’n’roll. Isso mesmo, rock’n’roll!
Um dos meus colegas de república chamado João Paulo* tinha uma quantidade enorme de cd’s, todos de rock’n’roll , quase todos arranhados, pois carregava-os no carro espremidos entre os bancos e o freio de mão. As caixinhas ficavam em casa e os cd’s, no carro.
Como eu não conhecia ninguém, e passava o dia todo em casa, meu tempo era preenchido com estudo, literatura e música (com um tempo bem maior para as duas últimas).
Assim, eu pegava todas as caixinhas dos cd’s e ia lendo tudo e selecionando algumas para pegar os respectivos cd’s quando o João Paulo chegasse. Como suas vindas em casa eram raras, eu pedia a ele que deixasse o maior número de cd’s possível; ele deixava um de seus porta cd’s cheio. Era material suficiente para uns dez dias.
Cd’s duplos dos Stones e The Doors; Creedence e Led Zeppelin(muitos); Black Crowes; Sublime; The Who; Beast Boys; Stone Temple Pilots; Lou Reed; The Clash; Pink Floyd; tinha até um cd do Infectious Groove, segunda banda de Mike Muir e Robert Trujillo, vocalista e baixista do Suicidal Tendences, e um cd chamado “Baia e os rock boys”,algo assim, uma banda carioca com um som bem legal.
Eu passava tardes inteiras ouvindo rock’n’roll e isso ajudava a passar o tempo, a passar o ano...
Lembro-me que muitas vezes eu vinha para Andrelândia com a mochila cheia de cd’s para gravar umas fitas.
Era muito rock’n’roll de qualidade. Bandas que eu já conhecia e outras que fiquei conhecendo naquela época.
Aquele primeiro ano de faculdade foi difícil, mas o rock’n’roll ajudou-me a enfrentar mais uma etapa da vida que, hoje relembrando, tenho saudades do que pensava nunca ter, um dia.

Obrigado Rock’n’ Roll!


* Conheci pouco João Paulo, mas o suficiente para considerá-lo meu amigo.
Era um “porra-louca”, no sentido literal da expressão (chegara a engravidar duas namoradas em menos de um mês). Era de Niterói, estudava engenharia em Petrópolis e trabalhava no Rio de Janeiro.
Passava mais de uns quinze dias sem vê-lo e, somente quando ele passou a dividir o mesmo quarto comigo, é que ficamos mais amigos. Ele chegava das noitadas lá pelas 3, 4 horas da manhã e levantava às 6 em ponto todo dia (pelo menos os poucos que dormia em casa), fazia uma barulhada danada e ia trabalhar. Até hoje não consigo entender como ele conseguia fazer isso.
Não preocupava com comida e com limpeza da casa.
Não arrumava a própria cama.
Não tinha armário, mas tinha um computador que vivia estragado.
Estava a mais de 7 anos na Faculdade.
Era daqueles que no ápice da correria chegava em casa e servia uma dose de whiskey para relaxar (igual nas novelas); eu morria de rir disso.
Era uma peça rara. Algumas vezes tomávamos umas juntos.
Vivia sorrindo e nada tirava o seu bom humor.
Alguns anos mais tarde, quando eu já morava em Juiz de Fora, recebi, perplexo, a notícia de que João Paulo havia falecido devido a uma meningite.
A imagem do sorriso de João Paulo não saía de minha memória...
Conhecí-o pouco, é verdade, mas o suficiente para chorar a perda de um amigo que amava a vida e o rock’n’roll.

Obrigado, João Paulo!

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Tesouro decide morrer

Tesouro deve ter uns 33 anos ou mais. (Para os eqüinos e muares, isso deve corresponder, mais ou menos, a uns 90 e poucos anos para os humanos)
Quando um burro sente que sua idade já está avançada e que não tem mais forças para trabalhar, tem o instinto de se matar. Ele procura um córrego ou ribeirão, entra em suas águas, escolhe, às margens, um local onde tenha um barranco e ali ele fica parado, sem comer e sem beber, até que suas patas vão ficando geladas causando uma alta febre. Assim o burro morre, seu corpo tomba e é escorado pelo barranco.
Tesouro, um dia desses, entrou no córrego que passa perto da sede da Fazenda. Seu companheiro de trabalho, inconformado, correu para tirá-lo de dentro das águas; ele não aceita a despedida do amigo, não deixando, assim, que o velho burro cumpra a sua sina...

terça-feira, 8 de maio de 2007

Homens que merecem nossa admiração (II)

Ele já passou muita fome. Chegou a comer o próprio farelo das vacas, misturado com leite.
Lembro-me como se fosse ontem, do dia em que chegou para trabalhar na Fazenda.
Eu era criança e o olhar daquele homem me comoveu.
A força dos escravos africanos corre em seu sangue e sua disposição para o trabalho é algo que impressiona qualquer um.
Mora em um pequeno quarto embaixo do paiol.
Almoça e janta na casa de outros colonos (confesso nunca ter visto pratos mais altos e cheios do que os dele).
Guarda o dinheiro que ganha para comprar o que mais lhe apraz: relhos, canivetes e botinas, além de indumentárias e arreatas para sua querida mula.
Nos domingos de folga, o que mais lhe agrada é arrear impecavelmente a mula e passear pelos povoados próximos à Fazenda. Não gosta de cidade.
Tem grande estima e apego para com o “Tesouro”, burro que é seu companheiro de trabalho há mais de 15 anos.
Não sabe ler nem escrever, mas carrega o mundo nas costas, o seu mundo: a Fazenda.
Homens assim merecem toda nossa admiração.

domingo, 22 de abril de 2007

Mecânico mundo

Mecânico mundo, onde os atos são frios,
sincronizados, indiferentes;
indiferença que empobrece, que escraviza.

Mecânico mundo, onde as janelas estão fechadas,
justamente nos mais belos dias de sol.

Onde não se vê um olhar de ternura,
uma mão estendida;
egoísmos que cristalizam as lágrimas, que secam.

Falta amor, falta olhar nos olhos,
olhar profundamente nos olhos, somente.

E sentir a expressão do olhar das pessoas,
deixando espalhar pelo corpo
a luz que brilha nos olhos do outro.

Dos homens com olhares aflitos, aguçados.
Da beleza dos olhares femininos, sutileza.
E do olhar de uma criança,
que invade profundo
sem pedir permissão.

Júlio César Meireles de Andrade

sexta-feira, 23 de março de 2007

Biblioteca Municipal de Andrelândia

Morando novamente em Andrelândia, resolvi revisitar a biblioteca municipal da cidade aonde, quando criança, eu ia algumas vezes realizar alguns trabalhos escolares. Como quase toda criança, eu não via muita graça naquele lugar; era como qualquer sala de aula, com uma “tia” fiscalizando nossos atos, algumas estantes cheias de livros que não significavam nada para mim e um relógio grande na parede, onde eu só queria ver marcada a hora de ir embora.
Muitos anos se passaram, a pequena biblioteca é, aparentemente, a mesma. Mas não para mim. Lembrava somente de alguns livros infantis e de muitos didáticos, o que não aguçava muito meu interesse por esses objetos. No entanto, foi grande a minha surpresa...
Coleções completas de Graciliano Ramos, Gabriel Garcia Marques, Jorge Amado, Machado de Assis; livros de Gilberto Freire, Euclides da Cunha, Aldous Huxley, Virgínia Woolf, Júlio Verne, e até mesmo Shakspeare em versões infanto-juvenis. Obras de muitos poetas; de Menotti del Picchia a Mário Quintana; Manoel Bandeira, Cecília Meireles, Lêdo Ivo, Garcia Lorca e muitos outros, alem, é claro, das enciclopédias, dicionários, e dos livros infantis e didáticos que povoavam minha memória.
Nunca imaginava que na biblioteca de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, reservadas as devidas proporções, tivesse tanta diversidade de livros.
Estava muito feliz em ver todos aqueles livros ali, ao alcance de todos, mas ao mesmo tempo fiquei triste ao pensar que é mínima ou quase nenhuma a quantidade de crianças, jovens e adultos de minha cidade que se interessam pelo acervo que ali se encontra, ou mesmo sabem da existência da biblioteca.
Confesso que me senti culpado por não ter voltado àquele lugar há mais tempo, culpado por contribuir com uma parcela da falta de interesse para com a biblioteca, culpado, enfim, por não ter desfrutado, durante todos esses anos, dos livros de minha cidade que estão lá, clamando por leitores.

sexta-feira, 2 de março de 2007

Lugarzinho

Talvez, por ter nascido e crescido
naquele lugar,
meu coração seja assim...

Lugarzinho no canto do mundo,
que me ensinou o amor e, conseqüentemente,
revelou-me a saudade;

as lembranças, já amareladas,
guardadas no sótão da memória;
precioso tesouro...

duas crianças, de caras sujas,
no pátio empoeirado do Grupo Escolar,
dividindo um pão recheado
com deliciosa goiabada...

o futebol jogado em frente à Igreja
nas tardes quentes de verão,
com o suor deslizando nas
rubras faces infantis...

o vento nas árvores,
os fiéis a caminho da Igreja,
o som da Ave Maria reverberando
pelas ruas às dezoito horas em ponto...

Lugarzinho aquele que me ensinou o amor e,
conseqüentemente, revelou-me a saudade.

Já faz tanto tempo, muitos anos,
mas o cheiro daquelas ruas, daquele chão,
não abandona o meu olfato...

as casas, os muros, os quintais
são ainda nitidamente visíveis
no escuro dos meus olhos fechados...

as vozes, os sorrisos, os amigos,
enfim, tudo que um dia fez parte de mim
e que ainda permanece intocável...

Ah! Lugarzinho que me ensinou o amor,
como estará?

Amanhã é o dia do retorno
que mais parece uma
nova partida.

(Poema extraído do livro Ensinamentos de amor de Júlio César Meireles de Andrade)

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Adélia Prado

Bucólica nostálgica

Ao entardecer no mato, a casa entre
bananeiras, pés de manjericão e cravo-santo,
aparece dourada. Dentro dela, agachados,
na porta da rua, sentados no fogão, ou aí mesmo,
rápidos como se fossem ao Êxodo, comem
feijão com arroz, taioba, ora-pro-nobis,
muitas vezes abóbora.
Depois, café na canequinha e pito.
O que um homem precisa pra falar,
entre enxada e sono: Louvado seja Deus!

Mineira de Divinópolis, Adélia Prado é capaz de poesias das mais belas que se lêem no cenário poético contemporâneo.
Poeta que seduz e encanta.
Sua poesia faz transbordar os sentimentos, o amor. Poesia que dá saudade de alguma coisa, mas que não sabemos bem o que é; que lembra casa de vó no interior de Minas Gerais.
Certa vez Adélia deu uma das melhores explicações a respeito da poesia:

“O dom do poeta é encantar-se com aquilo que é natural porque se passar um boi voando todos vão olhar.
- Olha tem um bezerro voando ali.
Todos vão sair para ver. È fácil falar do extraordinário, mas admirar aquilo que é ordinário... O copo d’água, a cozinha arrumada, o almoço sendo preparado, a vida. Isso que nos é dado a todos, aí mora a poesia.”

Simplesmente maravilhoso!
Adélia Luzia Prado de Freitas, obrigado!

“De vez em quando Deus me tira a poesia
Olho pedra, vejo pedra mesmo.”

Adélia Prado

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Quincas Borba

Remexendo em alguns guardados velhos, no armário de meu irmão, eis que encontrei o exemplar de Quincas Borba, mais velhinho ainda, com os mesmos durex colados por minha mãe...

“Rubião fitava a enseada...”

Essa frase me veio à memória antes mesmo que eu abrisse o livro.
É como voltar no tempo...

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Livros

Das muitas sensações que um livro desperta, uma é especial: o poder de, a cada releitura, fazer com que você relembre a última vez que o leu, ou a primeira.
O contexto do momento em que você leu aquele livro que agora tem nas mãos novamente. A magia que as páginas do livro têm de fazer aflorar-lhe na mente, o cheiro, os sons, as preocupações, as alegrias que à época da(s) leitura(s) anterior(es) percorriam seus sentidos.
As pessoas queridas com que você conversava sobre o livro ou que estavam ao seu redor no momento da leitura, e que agora não mais estão por aqui.
Lembro-me de quando relia, pela segunda vez, Grande Sertão: Veredas, em 2001, deitado no sofá da sala de minha casa (que agora fica em outra posição) e meu estimado tio e padrinho Guido comentava comigo que havia conhecido pessoalmente o Manuelzão.
Lembro-me também que, lendo pela primeira vez Quincas Borba, aos 15 anos, tendo às mãos um exemplar sem capa, velhinho e destruído, minha querida mãe queria remendar o livro e eu não deixava, pois não queria interromper a leitura e, ainda assim, no outro dia, ao acordar bem cedo, encontrei o livro todo arrumado, colado com durex, em cima da escrivaninha onde eu estudava, (onde foi parar esse exemplar de Quincas Borba?
Onde estará essa escrivaninha que eu tanto gostava?).
Lembro, ainda, de umas férias de julho de muito frio, em que li Levantado do chão, no meu Sítio, quando passei uma semana sozinho, lendo, plantando mudas de algumas árvores e cozinhando minha comida.
Ontem reli alguns poemas de Adélia Prado. Com Bagagem nas mãos, livro que reli quando meu filho nasceu, senti o mesmo frio na barriga sentido na semana em que ele veio ao mundo, até o cheiro do álcool usado para curar o seu umbiguinho me veio novamente às narinas...
E assim vamos nos encantando com a literatura e relembrando, nostalgicamente, de passagens da nossa vida que talvez, se não fosse a leitura de alguns livros, poderiam ficar esquecidas para sempre.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Poética 2010

Todo extremo é prejudicial.
Formalismo exacerbado.
Liberdade em demasia não é o ideal.
Rítimo extremamente compassado.
Entendimento comprometido é banal.

Vanguardas que esquecem a verdadeira
função da poesia: emoção.
Que ignoram a lição primeira.

Palavra que nada diz,
verso que não encanta,
nada falam a ninguém.

Pois que muito formalismo é prisão
e, definitivamente,
liberdade demais não é libertação.

(Poema do livro Ensinamentos de Amor, de Júlio César Meireles de Andrade)

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

João Francisco e a lua

Meu filhinho de nove meses, João Francisco, quando quer alguém ou alguma coisa, ele estica o bracinho e, dobrando a mãozinha, faz um “gesto de chamar” movimentando os dedinhos. (tudo nele é pequenininho)
Faz isso para mim, para a mamãe, para a vovó, para o cachorro, para os brinquedos, como que chamando para perto dele para que ele possa pegar.
Hoje à noite, eu estava com ele na janela quando veio surgindo uma das mais belas luas cheias que já vi na vida. Muito grande, toda branca-meio-amarelada, num céu azul escuro, das que acredito ter inspirado Catulo da Paixão Cearense.
Admirando o luar, percebi que o João Francisco também olhava a lua.
Com os olhinhos pretinhos brilhando, ele esticou o bracinho e começou a mexer os dedinhos balbuciando: - U, u, u, u!
Ele estava chamando a lua para perto para poder pegá-la...

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Participações

Poesiassim é também um local de encontros e troca de experiências, onde, poetas, escritores, músicos, jornalistas, médicos, advogados, cantadores, psicólogos, boiadeiros, pescadores, professores, calangueiros, dentre outros, amigos antigos, novos e futuros, vêem fazer parte desse culto à poesia e à arte em geral, pois acredito que assim se constrói e se consolida a verdadeira cultura de um povo: com interação, conversas, textos e opiniões.
Sendo assim, Poesiassim abre espaço para quem quiser participar, colaborar, dar opiniões, enfim, fazer alguma coisa.
Mandem poesias favoritas, canções prediletas, textos, peçam que fale de algum poeta em especial, de cantores preferidos, comentem os textos, falem do que quiser, pois teremos prazer em atendê-los. Comuniquem-se através do email: avecesarjf@yahoo.com.br, através do Orkut, através do próprio blog, por carta escrita, mensagem no celular, ou qualquer outra forma que entenderem melhor.
Hoje, apresentamos uma colaboração do amigo Rodrigo San Juan, o Rodrigão, que nos enviou uma das várias poesias de seu avô paterno, e que após ser avaliada por nossa equipe de editores, escritores, poetas e leitores, foi aprovada.
É um belo poema.


Tristeza

Sombra de árvore isolada,
na calma de um crepúsculo sem fim,
grito de angústia, voz dilacerada
de alguém que amo e que vive dentro em mim,
pra ser como eu sou,
vencedor e vencido
e ter nos olhos calmos a brilhar
o reflexo de tudo que sofrido
é preciso ser forte e saber enganar,
abrir do coração todas as portas,
para que o vento da recordação
varresse derradeiras folhas mortas,
folhas que vão da vida para a morte
despindo os olhos e vestindo o chão,
tristeza a tua sorte é igual a minha sorte,
aqui me tens, sou teu irmão.

(Lauro Constâncio San Juan)

domingo, 28 de janeiro de 2007

João Guimarães Rosa - V

Falar de Guimarães Rosa é tarefa empolgante e infindável, pois assim é sua obra,
universo inesgotável de possibilidades.
Isso, para mim, tem um nome: magia!

Assim encerro essa semana em que falei um pouco de João Guimarães Rosa, meu escritor preferido.


O mestre


Montado na mula Balalaica,
de passo leve e cadenciado,
Rosa percorre os sertões de cada um,
encantando,
num deslumbre que enche olho d`água,
deixando rastro na poeira da imaginação.
Calmamente vai desbravando o sertão
existente dentro de cada ser
que se entrega à sua magia.
Vai João, não pare nunca,
não cesse a peregrinação!

(Júlio César Meireles de Andrade)

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

João Guimarães Rosa - IV

João Guimarães Rosa e os vaqueiros


“Quando não entendo bem alguma coisa, então não vou conversar com nenhum professor erudito, procuro um vaqueiro velho de Minas, qualquer um deles, pois todos são sábios”
(Guimarães Rosa)


De todas as qualidades da escrita de Guimarães Rosa, uma é especial: o modo como ele trata e descreve o boiadeiro.
Até meados do século passado, os boiadeiros eram vistos como homens rudes e ignorantes, pessoas discriminadas pelo simples fato de terem nascido e sido criados na zona rural, na roça. O homem do campo era considerado um rústico, que não sabia nem falar, a exemplo do personagem de Monteiro Lobato, o Jeca Tatu que vivia á margem da cidade e da História, sempre de cócoras, como se somente na cidade as pessoas soubessem “viver”. “Viver” podia ser entendido como copiar a moda, os costumes e hábitos dos países “civilizados” da Europa.
A elite cultural desprezava qualquer tipo de cultura que viesse do interior.
Vindo do interior de Minas Gerais, Guimarães Rosa, com sua vasta cultura, soube como ninguém descrever o boiadeiro, trazendo, para o centro das atenções, o homem do sertão, que passou a ser valorizado e admirado.
Junto com os personagens vieram, conseqüentemente, os costumes, o ambiente, e toda uma cultura do interior, do sertão, causando uma verdadeira revolução no modo de pensar e até mesmo de agir de toda a sociedade intelectual brasileira da época.
Assim, podemos afirmar que João Guimarães Rosa foi o grande responsável pela quebra das barreiras entre o popular e o erudito, transformando a gente simples do sertão em verdadeiros pensadores e, sobretudo, poetas.
Sejam os vaqueiros verdadeiros, transpostos para os livros, como Manuelzão, Zito e Mariano, ou os vaqueiros-personagens criados através da inspiração sertaneja, José Uéua, Grivo, Noró, Abel, Mainarte e muitos outros.
Seja na simplicidade da listinha, anotada em um caderno, dos nomes das vacas do Sr. Zito, vaqueiro e cozinheiro: “Farofa, Despedida, Carvoeira, Paquinha, Violeta, Metrage, Sembléia...”
Seja na beleza das palavras do vaqueiro José Uéua: “No coração a gente tem é coisas igual ao que nem nunca em mão se pode ter pertencente: as nuvens, as estrelas, as pessoas que já morreram, a beleza da cara das mulheres...”
Grande boiadeiro das palavras e sentimentos, João Guimarães Rosa, muito obrigado!

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

João Guimarães Rosa - III

A esposa já dera sumiço na coleção completa dos livros de Guimarães Rosa, artigos e ensaios sobre o autor e mais dois ou três volumes de Grande Sertão: Veredas que, de quando em quando, achava escondidos pela casa. Ela foi a primeira a perceber a doença. O marido era compulsivo.
No começo, achava normal uma pessoa passar as férias inteiras dentro de casa lendo Guimarães Rosa noite e dia, só parando quando caía no sono, com o livro aberto em cima do peito.
Mais tarde, começou a estranhar quando o marido, gozando de boa saúde, pedia licença no serviço para tratar de alguma doença e, como nas férias, passava todos os dias da licença em casa lendo Guimarães Rosa.
A situação se agravara. As licenças já não eram suficientes e o marido pediu demissão.
Passava todos os dias, sem exceção, lendo Guimarães Rosa.
Acordava às cinco horas da manhã e, trancado num quartinho, ficava até a hora do almoço lendo. Quando chegava à mesa, deixava o livro aberto ao lado do prato de comida sem mesmo perder a linha do parágrafo que lia.
Não se barbeava mais, pois não podia “perder tempo”. O banho, quando o tomava, era de menos de cinco minutos, marcados no relógio.
A doença era séria.
Procurou médicos e especialistas e, com o tempo, foi conseguindo controlar a compulsão do marido, não sem antes apagar todos os vestígios de Guimarães Rosa que havia em casa.
Sem “combustível” para a compulsão, o marido ia melhorando. Já se alimentava direito, fazia a barba e tomava banho diariamente, como nos tempos de trabalho.
Quando percebia algo diferente, sua reação era sempre a mesma: se o marido ficava algumas horas sumido, a busca era completa; dava uma geral na casa e pronto, lá estava “Primeiras Estórias” escondido debaixo de alguns tacos soltos no chão da sala.
Outra vez, percebendo que o marido já não se barbeava há alguns dias, mais uma busca e inacreditável: “No Urubuquaquá no Pinhém” envolto em um saco plástico dentro da caixinha de água da descarga do banheiro da área de serviço.
Já não sabia o que fazer e, procurando sempre ajuda de parentes e amigos, chegou à conclusão de que uma internação seria necessária.
Onde encontrar uma clínica para aquele tipo de tratamento? Alcoólicos Anônimos? Toxicômanos? Hospício? Alguma clínica especializada?
Nunca ouvira falar de qualquer outro problema sequer parecido com o seu.
Foi quando descobriu um médico-psiquiatra que passara pelo mesmo problema e conseguira se curar, só que o autor era Machado de Assis. As consultas eram de graça e diárias, devido ao interesse do médico, um aplicado estudioso das compulsões, pelo caso em questão.
O marido voltava bem das consultas e passava o resto do dia sem falar em Guimarães Rosa. Com quase dois meses de tratamento intensivo, a cura se anunciava.
Já passava nas portas das livrarias sem qualquer impulso de entrar e liquidar o estoque de Guimarães Rosa. Já conseguia até ter “Tutaméia” nas mãos e nem sequer abri-lo. “Sagarana” foi mais difícil, mas conseguiu ficar dez minutos com um volume antigo nas mãos e não dar sequer uma folheada, nem ao menos para ver o ano da edição. “Manuelzão e Miguilim”, na palma da mão, com seus dedos tocando a orelha do livro... Foi difícil, mas superou. É lógico que todas essas experiências eram realizadas no consultório do médico-psiquiatra e agora amigo, que após a cura, pôde vir a ter em seu consultório uma farta biblioteca, com exceção, é claro, de Machado de Assis.
Mas havia ainda, o grande desafio: “Grande Sertão: Veredas.”
Esse sim, seria a vitória, a tão esperada cura.
Mais um dia sem Guimarães Rosa. Era assim que conseguia controlar a doença.
Mais um dia sem Guimarães Rosa.
O tratamento avançava e, finalmente, “Grande Sertão: Veredas” por mais de uma hora nas mãos. O olhar fixo na capa com as ilustrações de Poty. As mãos trêmulas. O suor a escorrer-lhe no rosto. Duas ameaças de abrir o livro, gloriosamente contidas a tempo. Sim, era a cura, afirmava o médico. Estava finalmente curado.
Curado, mas condenado a nunca mais se encantar com as estórias de “um chamado João”. Era o preço a se pagar...
Só mais um dia sem João Guimarães Rosa...


(Júlio César Meireles de Andrade)

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

João Guimarães Rosa - II

O poeta João Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa é, sem dúvida, um dos maiores prosadores da literatura mundial, o que é de conhecimento de todos. Porém, o que muitos não conhecem é o poeta Guimarães Rosa.
Premiado em 1936, pela Academia Brasileiras de Letras, o livro intitulado “Magma”, de Guimarães Rosa, é uma obra escrita em versos.
Os poemas contidos nesse livro são tão belos quanto a escrita em prosa que viria a desenvolver posteriormente e que o consagraria como um dos melhores escritores do século.
Vale ressaltar a conclusão do parecer proferido pelo relator Guilherme de Almeida, na votação do Concurso literário da Academia Brasileira de Letras, em que “Magma foi vitorioso:

“É, pois, meu parecer que seja o 1º prêmio do Concurso de Poesia de 1936 concedido ao livro Magma, de joão Guimarães Rosa; e que não seja a ninguém, neste torneio, conferido o 2º prêmio, tão distanciados estão do primeiro premiado os demais concorrentes.
Tal é, salvo melhor juízo, o meu parecer.

São Paulo, 22 de novembro de 1936. Guilherme de Almeida, Relator

(Revista da Academia Brasileira de Letras, ano 28, vol. 54, p. 236)

Infelizmente, mesmo com o 1º lugar no Concurso, “Magma” continuou inédito, não sendo publicado, dizem que por vontade do próprio autor. Somente em 1997, a Editora Nova Fronteira publicou os poemas num volume digno de Guimarães Rosa.


Reportagem

O trem estacou, na manhã fria,
num lugar deserto, sem casa de estação:
a parada do Leprosário...

Um homem saltou, sem despedidas,
deixou o baú à beira da linha,
e foi andando. Ninguém lhe acenou...

Todos os passageiros olharam ao redor,
com medo de que o homem que saltara
tivesse viajado ao lado deles...

Gravado no dorso do bauzinho humilde,
não havia nome ou etiqueta de hotel:
só uma estampa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro...

O trem se pôs logo em marcha apressada,
e no apito rouco da locomotiva
gritava o impudor de uma nota de alívio...

Eu quis chamar o homem, para lhe dar um sorriso,
mas ele ia já longe, sem se voltar nunca,
como quem não tem frente, como quem só tem costas...

(João Guimarães Rosa)

domingo, 21 de janeiro de 2007

João Guimarães Rosa - I

Eu peço licença aos doutores para falar de João Guimarães Rosa.

Centenas de teses sobre João Guimarães Rosa são publicadas anualmente em diversas universidades do Brasil, formando, assim, muitos mestres e doutores na obra desse escritor.
Não sou um deles. Nem sequer cursei Letras.
Contudo, na condição de apaixonado pelos livros de Guimarães Rosa, ouso discorrer sobre algumas de suas obras.
Concordo com o maestro Tom Jobim que “para se entender uma coisa, é preciso amá-la”. E eu amo a escrita de Rosa.
Não sei qual é o meu preferido, pois é difícil eleger um dentre os livros de Guimarães Rosa, assim como também o é mensurar a dimensão de sua obra.
Esclarecimentos devidamente prestados falo aqui de “Cara-de-Bronze”.

Sem dúvida, um dos textos mais belos e enigmáticos de Guimarães Rosa. Redigido como um roteiro cinematográfico, essa novela se passa numa grande fazenda do interior dos Gerais, onde trabalham muitos vaqueiros: no Urubuquaquá.
O texto já começa encantando o leitor que sempre tem na memória a imagem de alguma fazenda antiga, do interior de Minas Gerais:

“A casa – avarandada, assobradada, clara de cal, com barra de madeira dura nos janelões – se marcava. Era seu assento num pendor de bacia (...) A casa, batentes de pereiro e sucupira, portas de vinhático.”

O dono da fazenda, Segisberto Jéia, por alcunha o “Cara-de-Bronze”, é um fazendeiro misterioso que não sai da casa-sede, pois fora acometido por uma paralisia. Os vaqueiros, na maioria, não o conhecem, sendo o acesso à vivenda do patrão restrito a alguns poucos de confiança.
As especulações são muitas:

“O vaqueiro Tadeu: É devera minha gente... ele é magro, empalidecido.
O vaqueiro Adino: Muito morenão...
Moimeichego: Mas, é pálido, ou é moreno?
Outro vaqueiro: Palidez morena...
Outro vaqueiro: Tem partes e tem horas... O alto da cara com ossões ossos...”


Certo dia, o patrão Cara-de-Bronze, depois de avaliar um a um os seus vaqueiros, designa o vaqueiro Grivo para partir em uma viagem misteriosa.

“Vai , um dia, o Grivo arrumou seus dobros, amarrou seus tentos. Selou seu cavalo.
- Subiu a cavalo. No cavalo melhor, do Cara-de-Bronze...”


A viagem do Grivo e, após algum tempo, o seu retorno são comentário geral entre os vaqueiros que trabalhavam no lugar. Todos estão muito curiosos para saber o verdadeiro objetivo da viagem do Grivo.
Diziam que o Grivo fora o escolhido por ser considerado um vaqueiro bom de fala.

“Essas coisas que o Grivo falou:
- Sabiá na muda: ele escurece o gorjeio... Bentevi gritou, papinho dele de alegria de amarelo tanto quase não rebentava... Pássaro do mato em toda parte voa torto – por causa de acostumado com as grades das árvores...”

Na volta, o Grivo conta tudo do que viveu e viu durante suas andanças, com seu jeito peculiar de contar, por meio de respostas evasivas e ambíguas. Descreve nomes de árvores, inúmeras:

“Com que pessoas de árvores ele topou?
- A ana-sorte. O João-curto. O sebastião-de-arruda. O sã-fidélis. O angelim-macho. O angelim-amargo. O guzabu-preto...”

descreve os pássaro:

“Perequitos e maitacas. A maritaca-de-fita-vermelha-atrás-do-bico. O papagaio-trombeteiro. As araras. A alma-de-gato. A codorninha-buraqueira. A juriti-do-peito-amarelo...”

descreve animais e insetos:

“O jacaré tenterê. O sapo mira-lua. A abelha manoel-de-abreu. A vespa joão-caçador mais a vespa maria-rita...”

E, na “Narração do Grivo”, João Guimarães Rosa cria uma das mais belas passagens da literatura mundial, com uma construção inusitada, intercalando o texto com textos de roda-pé, como que conduzindo e explicando ao leitor tudo que o Grivo viu e sentiu.
Além da beleza e encanto das falas dos boiadeiros, a descrição de suas labutas e costumes, o mistério do Grivo e do Cara-de-Bronze, Guimarães Rosa acrescenta à história um violeiro que, da varanda da casa-sede, somente observa e canta, ponteando a viola, oportunidade em que são inseridas na obra muitas quadras de cantigas populares, como as Cantigas de Serão de João Barandão, tornando mais encantadora essa obra-prima da literatura.Posteriormente, Guimarães Rosa esclareceria ao seu tradutor italiano Edoardo Bizzarre que “Cara-de-Bronze” referia-se à poesia, pois que, em várias passagens dessa novela, colocava nos ditos dos vaqueiros “tentativas de definição da poesia”, sendo que a personagem Cara-de-Bronze, depois de fugir de sua terra quando moço e passar toda a vida longe, mandou um vaqueiro seu viajar até sua terra natal, para depois, poder ouvir dele todas as belezas e poesias de lá. Assim, o Cara-de-Bronze mandou, pois, o Grivo buscar poesia!

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Cora Coralina

Becos de Goiás

Beco da minha terra...
Amo tua paisagem triste, ausente e suja.
Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.
Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.
E a réstia de sol que ao meio-dia desce, fugidia
e semeia polmes dourados no teu lixo pobre,
calçando de ouro a sandália velha,
jogada no teu monturo.

Amo a prantina silenciosa do teu fio de água,
descendo de quintais escusos
sem pressa,
e se sumindo depressa na brecha de um velho cano.
Amo a avenca delicada que renasce
na frincha de teus muros empenados,
e a plantinha desvalida, de caule mole
que se defende, viceja e floresce
no agasalho de tua sombra úmida e calada.

Amo esses burros-de-lenha
que passam pelos becos antigos. Burrinhos dos morros,
secos, lanzudos, malzelados, cansados, pisados.
Arrochados na sua carga, sabidos, procurando a sombra,
no range-range das cangalhas.

E aquele menino, lenheiro ele, salvo seja.
Sem infância, sem idade.
Franzino, maltrapilho,
pequeno para ser homem,
forte para ser criança.
Ser indefeso, indefinido, que só se vê na minha cidade.

Amo e canto com ternura
todo o errado da minha terra.

Becos da minha terra,
discriminados e humildes,
lembrando passadas eras...

(...)
(Cora Coralina)


Nascida em Goiás Velho/GO, em 20 de agosto de 1889, Cora Coralina Começou a escrever aos 14 anos, fazendo, assim, com que ela fosse repudiada pela sociedade, pois que a poesia não fazia parte das “prendas” de uma moça de família no início do século XX.
Escreveu durante toda a vida e, somente aos 75 anos publicou seu primeiro livro; prova de paciência e, acima de tudo, amor à poesia.
Passou quase todo o século XX desconhecida, tendo somente em 1979, sido revelada ao grande público, após sua obra chegar às mãos de Carlos Drumond de Andrade que, ao elogiar sua poesia, confirmava a qualidade e beleza de seus versos.
Cora Coralina, com sua lírica ingênua e sentimental, rememora o passado fazendo com que sua poesia seja duplamente deliciosa. Seus versos são, além de belos poemas, relatos que documentam a vida, o cotidiano e os costumes do interior de Goiás e do Brasil, no começo do século XX.
Em 10 de abril de 1985, aos 96 anos, Cora Coralina faleceu, deixando o mundo mais triste sem seus versos.

Ana Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas, obrigado!

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Santos

Apelo


Meus santos
são os caboclos brasileiros,
que nascem da terra
e por ela morrem.

Rezai
por esses homens.
Lutadores!
Amém.

(Júlio César Meireles de Andrade)


Tenho em casa, na minha estante, uma estatueta de São Francisco de Assis, meu protetor.
Por ter nascido no dia 05 de outubro, um dia após ao que se comemora o dia de São Francisco, minha mãe me entregou a este santo como o fazia sempre que nascia um filho seu. Assim foi comigo e com meus irmãos.
Não sou muito interessado em religiões, não freqüento missas e outros cultos e conheço pouco da vida dos santos católicos, mas já que minha mãe, sendo católica, escolhera São Francisco de Assis para proteger-me durante toda minha vida, passei a ser devoto desse santo, respeitando, acima de tudo a escolha de minha mãe.
Admiro São Francisco de Assis por duas virtudes que nortearam sua vida: a simplicidade e o amor.
Admiro a simplicidade. Acredito no amor.
Acredito, também, que homens especiais se tornam santos e assim como Francisco alguns outros mereceriam igualmente, uma estatueta em minha estante...

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Sobre amizade

“Os amigos são anjos que nos ajudam a levantar quando nossas asas esquecem como voar”

A um amigo


Invadir a alma de um homem
no âmago de seus sentimentos.

Na privacidade de seu lar,
remexer suas saudades,
observar antigas fotografias,
compartilhar de seu pão e
de sua intimidade;
brincar com seu cão
como se fosse teu.

Nos intrincados caminhos de seu peito,
reviver antigas lembranças,
relembrar o passado, a amizade,
os momentos difíceis, as alegrias.

Ter a liberdade de o fazer,
pois que a fortaleza de um homem,
por mais forte e segura que pareça ser,
sempre terá as portas abertas e
a guarda baixada
para a acolhida de um
verdadeiro amigo.

(Poema tirado do livro Ensinamentos de amor de Júlio César Meireles de Andrade, com lançamento previsto para este ano)

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Dia de Reis

“Depois que Jesus nasceu em Belém da Judéia, nos dias do Rei Herodes, magos vindos do oriente chegaram a Jerusalém e perguntaram: “Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo.”” (Mateus 1:2,3)

Os Três Reis Magos levaram ouro, incenso e mirra e após a visita a Jesus, não retornaram para dizer a Herodes onde o menino havia nascido. Furioso, Herodes ordenou que matassem todos os meninos com idade inferior a dois anos, em Belém e nas proximidades, contudo, um comandante convenceu uma tropa a não cumprir as ordens do Rei e sim cantar e angariar presentes para entregarem ao Menino Jesus. E assim fizeram o comandante e seus soldados.

Esta é, resumidamente, a história da Folia de Reis, uma das mais belas manifestações culturais do Estado de Minas Gerais e do Brasil.
Compostas geralmente por duas violas (de dez cordas), um violão, um violino ou rabeca, um pandeiro, uma caixa e um bumbo, podendo ter algumas variações, as Folias percorrem as casas da cidade, sítios e fazendas, onde os foliões entram e são bem recebidos, sempre com muita fartura de comida e bebida.
Os cantadores, uniformizados, representam os soldados, sempre com roupas iguais; o palhaço, representa o comandante da tropa de Herodes, também chamado “espia do Rei Herodes”, com roupa diferente e máscara.

Embora esquecida e desvalorizada pela grande maioria, as Folias de Reis fazem parte do maravilhoso acervo que compõe a rica cultura popular brasileira. É beleza, é arte.
Como é bonito ver a cultura de um povo sendo valorizada.
Como é bonito ver uma Folia de Reis cantando.


Viva Santo Reis. Viva!
Viva os Três Reis do Oriente. Viva!
Viva a estrela guia. Viva!
Viva a nossa guia. Viva!
Viva a toda companhia. Viva!
O patrão com a família. Viva!”

(Domínio Popular- Tirado dos cantos de folias de Os Mensageiros dos Santos Reis)

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Preferências poéticas

Eles (não) são homens comuns


Ruy Alberto d’Assis Espinheira Filho tomando um
banho de mar, numa manhã de domingo, em Salvador/BA.

Amadeu Thiago de Mello empinando papagaio, na
margem direita do Paraná do Ramos, em Barreirinha/AM.

Affonso Romano de Sant’anna tomando uma média e
pão com manteiga, num bar qualquer de Juiz de Fora/MG.

Elomar Figueira de Mello arrumando uma cerca no curral
da Casa dos Carneiros, no município de Vitória da Conquista/BA.

Adélia Luzia Prado de Freitas servindo um café para suas
visitas, na sala de sua casa, em Divinópolis/MG.

Manoel Wenceslau Leite de Barros saindo à tarde
para tomar umas pingas em Campo Grande/MS.

Francisco Pascoal Araújo, levantando bem cedo, com um
penico cheio de urina, para regar alguma árvore no
quintal de sua residência em Andrelândia/MG.

Seres humanos como quaisquer outros em suas
atividades cotidianas, deixando a vida fluir.

Seres que encantam e por isso tornam-se especiais.

Seriam simplesmente homens comuns?

(Júlio César Meireles de Andrade)