quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A gente anda é pra frente

A gente anda é pra frente,
é certo,
mas que pensamento voa pra trás
também,
com a cabeça no mundo da lua,
olhar fixo,
pensando no nada das coisas.

Que a gente anda é pra frente,
mesmo com um frio na
barriga a gente avança.

Feito andar a cavalo de noite.
Que cavalo enxerga no escuro,
mas gente não.

Feito avançar a Rainha
quando se enfrenta
adversário mais forte.

E é por essas e outras
que trago sempre um livro
no quente do coração,
pois que um livro bom na hora certa
é comida predileta no ápice da fome.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Dia dos pais


















Presente do dia dos pais:
2 livros de Manoel de Barros e
1 do Mário Quintana.
as dedicatórias:
o amor de minha amada esposa
o amor dos meus filhinhos e
a assinatura de cada um deles.


2.

A de muito que na Corruptela onde a gente
vivia
Não passava ninguém
Nem mascate muleiro
Nem anta batizada
Nem cachorro de bugre.
O dia demorava de uma lesma.
Até uma lacraia ondeante atravessava o dia
por primeiro do que o sol
E essa lacraia ainda fazia uma estação de
recreio no circo das crianças
a fim de pular corda.
Lembrava a tartaruga de Creonte
que quando chegava na outra margem do rio
as águas já tinham até criado cabelo.
Por isso a gente pensava sempre que o dia
de hoje ainda era ontem.
A gente se acostumou de enxergar antigamentes.

(Manoel de Barros, do livro Poemas Rupestres,
um dos meus presentes deste dia dos pais)

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Fundo de horta

Um fundo de horta com tocos
de pau e seus estrepes,

palhas secas nos montes de
terra e seus lagartos;

as bananeiras com os
corações à mostra

e uma mangueira
com setenta e cinco anos.

Solo fatigado e erosões enfezadas.

Um fundo de horta comum,
mas com um caminho
de pedras que leva a
um recanto especial e secreto
de ternuras, petiscos e sorrisos,
refúgio da realidade
sonho de toda gente.

sábado, 14 de junho de 2008

kk

E kk chega no céu:
-“Bem vinda, finha!”
Seu pai a recebe
com aquele mesmo
sorriso de sempre:
-“Sua mãe tá pra chegar.”
Diz ele.
E kk, beijando sua irmã,
diz que já sabe,
pois no céu,
todos sabem de tudo.

terça-feira, 3 de junho de 2008

A perplexidade necessária...

"a história de um poeta é também a história de suas perplexidades. E perplexidade, aqui, entendida como espanto, incerteza, assombro, maravilhamento diante do que não sabemos explicar. Creio que cabe a todo poeta dar forma à sua perplexidade e transformá-la em poesia."

Maria Esther Maciel

quarta-feira, 21 de maio de 2008

O encontro de Renato Andrade com Tião Carreiro

Se a história do pacto com o Capiroto é verídica, o encontro se deu nas profundezas do inferno, mas se como disse Riobaldo: “O diabo não há!...Existe é homem humano,” pode que a topada tenha sido em outro lugar. O certo é que houve o encontro, e posso contar...
Renato chegou com o semblante sereno, descalço, com seu chapeuzinho de palha e a viola a tiracolo com as fitas amarradas na cravelha. Tião Carreiro estava sentado num tamborete de jacarandá, bonachão; já era de casa. Renato sentou de lado na banqueta que já o esperava e cruzou as pernas.
Tião Carreiro começou o ponteio, ao que o povo começou a rodear; Renato Andrade ia retrucando num dueto que só podia mesmo ser coisa de Deus, ou do Demo.
Coisa bonita demais. Uma multidão já se encontrava assentada, no que parecia ser um grande vale, numa baixada, onde o som das violas reverberava de um tal modo que microfone algum reproduziria o mesmo efeito. Eram milhares de olhos fincados nas violas, com as vistas embaçadas de lágrimas, milhares de ouvidos ouvindo e milhares de peitos apertados a ponto de explodir, diante daquele espetáculo singular que encantava, deixando extasiados os que ali se abancavam.
As cordas das violas vibravam com tanta intensidade que até zuniam e o movimento das mãos dos violeiros hipnotizava a quem olhava, tamanha a rapidez e destreza dos rasqueados e ponteios.
Do pagode pro corta-jaca, da querumana pro cateretê, da moda de viola pro cururu, o som era o mais belo e encantador já ouvido em todos os tempos.
Negócio mesmo do outro mundo. Sublime.
O encontro de Renato Andrade e Tião Carreiro nas paragens de um vale com aquele ajuntamento de gente ao redor. Coisa mesma de ser, de Deus ou da Capeta.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Eugénio de Andrade

O LUGAR DA CASA

Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia


Eugénio de Andrade foi o pseudónimo de José Fontinhas Rato poeta português nascido em 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, Fundão.
Os seus poemas, geralmente curtos, mas de grande densidade, e aparentemente simples, privilegiam a plenitude da vida e dos sentidos, despertando em quem os lê, uma grande excitação poética, um gosto de amor que fica, após cada leitura.
Coisas de quem amava profundamente a poesia.
Faleceu a 13 de Junho de 2005, no Porto, após uma doença neurológica prolongada.

Obrigado Eugénio de Andrade!

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Drummond

Os anos passam, e Drummond resiste,
Drummond existe
em nossas almas,
em nossos corações.
Drummond insiste
na mineiridade,
no amor,
no amar.

Os anos passam, e Drummond revive
(se é que chegou, um dia, a morrer)

Drummond de Andrade,
mineiro, de ferro.
Eis que resiste e
insiste na nossa
mineiridade.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Pequena oração de uma família

Vô nosso, que no céu está,
ou em qualquer outro lugar,
olha por teus filhos e netos,
e mais quantas outras
gerações vierem, na sucessão
do sangue e do amor.
Em nome do Edson pai,
do Edson filho e do
Edson neto, Amém!

quarta-feira, 5 de março de 2008

Fotografia

Pra que máquina fotográfica,
se teu rosto não me sai da memória;
se os momentos vividos não deixam
um só instante, meus pensamentos?

Lembrar de teu rosto sorrindo
e sentir exatamente o que senti
naquele momento...

Fotografia de sentimento.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Carta a Antônio Cândido

Quereria chegar aos 90 anos de idade, ou mais, e conversar com um jovem de minha terra natal. Dir-lhe-ia que sempre gostei dos casos do passado e que, quando criança, conversava muito com os mais velhos.
Contar-lhe-ia histórias e estórias. Desejaria dizer-lhe que conheci “um chamado João, fabuloso” e que li sua obra-prima, “com mentira e tudo, umas 50 vezes”, apesar de, na realidade, não o ter conhecido pessoalmente, pois minha idade não permitiu.
Quereria realmente despertar o interesse desse jovem e ver seus olhos brilharem ao ouvir minhas palavras, sentados na frondosa varanda de minha casa, em um sitiozinho no interior das Gerais, ou mesmo em um banco de praça, das muitas e belas praças das pequenas cidades mineiras. Quereria que seus olhos brilhassem como os meus hoje brilham, lendo um certo Antônio Cândido.
Aí o jovem mineiro olharia profundamente nas “minhas retinas tão fatigadas” e imaginaria o quanto esses olhos já teriam presenciado, querendo, como que num passe de mágica, compartilhar das mesmas imagens.
Relatar-lhe-ia algumas passagens interessantes da minha vida.
Mostrar-lhe-ia meu primeiro livro de poemas, com as páginas amareladas, escrito quando tinha a mesma idade sua, desejando que meus versos despertassem algum sentimento, alguma emoção no jovem com hábitos e modo de pensar certamente muito diferentes dos meus, pois que nascido e criado em uma época mais distanciada na linha do tempo. Desejaria que seus sonhos rompessem seu horizonte assim como os meus.
Quereria, finalmente, tocar no âmago de sua sensibilidade, fazendo-o compreender a minha profunda paixão pela literatura e pela poesia para que compartilhasse comigo desse amor como hoje o faz Antônio Cândido.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Camminu

Muito do que sei aprendi ali:
alimentar a vida,
cultivar a coragem,
produzir o amor de cada dia

“Nascer é jogar a semente,
depois é só esperar.
O rebento cria no calor materno,
chorando, mijado”.

Muito do que sou está ali:
fadiga no anoitecer,
uma bela manhã,
pois sou movido a canto de galo,
sem isso eu não sei viver

“Crescer é trabalhoso,
carece plantar e colher.
Criança aprende é no exemplo,
olhando, escutando”.

Muito do que fiz está ali:
a casa repleta de gente,
a sombra que um dia plantei;
não é fácil e nem quero esquecer,
pois ali minha vida passei

“Morrer é fechar os olhos
para nunca mais abrir.
O corpo debaixo da terra,
quieto, inerte”.


Do livro Ensinamentos de amor