quinta-feira, 31 de maio de 2007

Relembramentos

Quando cheguei naquela Faculdade, no primeiro dia de aula, foi como meu primeiro dia no “Jardim da Infância”, só que eu não podia chorar e muito menos abraçar as pernas de minha mãe.
Não conhecia ninguém, não conhecia a cidade; não sabia sequer o que era o Direito e, quando aquele professor entrou na sala de aula, falando um monte de coisas em latim, pensei seriamente no que eu estava fazendo ali.
Era estranho acabar de conhecer uma pessoa e, na mesma noite, já dormir no mesmo quarto com ela, em uma “república”.
A primeira semana foi muito difícil e, se eu pudesse, voltava correndo para as minhas Minas Gerais. A comida não passava na garganta espremida e tudo lembrava minha casa, minha família, meus amigos. Era difícil, mas necessário.
Como tudo na vida, com o tempo comecei a acostumar.
Acordava todo dia bem cedo e ia a pé para a Faculdade, sempre cantarolando: “Lá vou eu de novo andando assustado, como Ali Babá e os quarenta ladrões...” (grande Raul)
Morava com mais quatro rapazes num apartamento de dois quartos, mas passava o dia inteiro sozinho, pois eles trabalhavam ou ficavam nas casas das namoradas.
Uma das coisas que me confortava era visitar o Museu Imperial. Andar no mesmo jardim onde D. Pedro II e sua filha Izabel passeavam era fascinante. Percorrer os corredores da casa de campo do Imperador do Brasil e sentir um pouco da história do meu país era algo que sempre renovava minhas forças.
Comecei a gostar da Faculdade, principalmente da biblioteca, a qual lamento não ter tido mais tempo de explorar. As aulas de I.E.D.(Introdução ao estudo do Direito), eram as preferidas. (Até hoje eu estudo pela apostila desse professor)
Contudo, no primeiro ano da Faculdade de Direito em Petrópolis, do que mais aprendi, confesso não ter sido o Direito, nem tampouco história do Brasil, devido à influência do meio, mas sim rock’n’roll. Isso mesmo, rock’n’roll!
Um dos meus colegas de república chamado João Paulo* tinha uma quantidade enorme de cd’s, todos de rock’n’roll , quase todos arranhados, pois carregava-os no carro espremidos entre os bancos e o freio de mão. As caixinhas ficavam em casa e os cd’s, no carro.
Como eu não conhecia ninguém, e passava o dia todo em casa, meu tempo era preenchido com estudo, literatura e música (com um tempo bem maior para as duas últimas).
Assim, eu pegava todas as caixinhas dos cd’s e ia lendo tudo e selecionando algumas para pegar os respectivos cd’s quando o João Paulo chegasse. Como suas vindas em casa eram raras, eu pedia a ele que deixasse o maior número de cd’s possível; ele deixava um de seus porta cd’s cheio. Era material suficiente para uns dez dias.
Cd’s duplos dos Stones e The Doors; Creedence e Led Zeppelin(muitos); Black Crowes; Sublime; The Who; Beast Boys; Stone Temple Pilots; Lou Reed; The Clash; Pink Floyd; tinha até um cd do Infectious Groove, segunda banda de Mike Muir e Robert Trujillo, vocalista e baixista do Suicidal Tendences, e um cd chamado “Baia e os rock boys”,algo assim, uma banda carioca com um som bem legal.
Eu passava tardes inteiras ouvindo rock’n’roll e isso ajudava a passar o tempo, a passar o ano...
Lembro-me que muitas vezes eu vinha para Andrelândia com a mochila cheia de cd’s para gravar umas fitas.
Era muito rock’n’roll de qualidade. Bandas que eu já conhecia e outras que fiquei conhecendo naquela época.
Aquele primeiro ano de faculdade foi difícil, mas o rock’n’roll ajudou-me a enfrentar mais uma etapa da vida que, hoje relembrando, tenho saudades do que pensava nunca ter, um dia.

Obrigado Rock’n’ Roll!


* Conheci pouco João Paulo, mas o suficiente para considerá-lo meu amigo.
Era um “porra-louca”, no sentido literal da expressão (chegara a engravidar duas namoradas em menos de um mês). Era de Niterói, estudava engenharia em Petrópolis e trabalhava no Rio de Janeiro.
Passava mais de uns quinze dias sem vê-lo e, somente quando ele passou a dividir o mesmo quarto comigo, é que ficamos mais amigos. Ele chegava das noitadas lá pelas 3, 4 horas da manhã e levantava às 6 em ponto todo dia (pelo menos os poucos que dormia em casa), fazia uma barulhada danada e ia trabalhar. Até hoje não consigo entender como ele conseguia fazer isso.
Não preocupava com comida e com limpeza da casa.
Não arrumava a própria cama.
Não tinha armário, mas tinha um computador que vivia estragado.
Estava a mais de 7 anos na Faculdade.
Era daqueles que no ápice da correria chegava em casa e servia uma dose de whiskey para relaxar (igual nas novelas); eu morria de rir disso.
Era uma peça rara. Algumas vezes tomávamos umas juntos.
Vivia sorrindo e nada tirava o seu bom humor.
Alguns anos mais tarde, quando eu já morava em Juiz de Fora, recebi, perplexo, a notícia de que João Paulo havia falecido devido a uma meningite.
A imagem do sorriso de João Paulo não saía de minha memória...
Conhecí-o pouco, é verdade, mas o suficiente para chorar a perda de um amigo que amava a vida e o rock’n’roll.

Obrigado, João Paulo!

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Tesouro decide morrer

Tesouro deve ter uns 33 anos ou mais. (Para os eqüinos e muares, isso deve corresponder, mais ou menos, a uns 90 e poucos anos para os humanos)
Quando um burro sente que sua idade já está avançada e que não tem mais forças para trabalhar, tem o instinto de se matar. Ele procura um córrego ou ribeirão, entra em suas águas, escolhe, às margens, um local onde tenha um barranco e ali ele fica parado, sem comer e sem beber, até que suas patas vão ficando geladas causando uma alta febre. Assim o burro morre, seu corpo tomba e é escorado pelo barranco.
Tesouro, um dia desses, entrou no córrego que passa perto da sede da Fazenda. Seu companheiro de trabalho, inconformado, correu para tirá-lo de dentro das águas; ele não aceita a despedida do amigo, não deixando, assim, que o velho burro cumpra a sua sina...

terça-feira, 8 de maio de 2007

Homens que merecem nossa admiração (II)

Ele já passou muita fome. Chegou a comer o próprio farelo das vacas, misturado com leite.
Lembro-me como se fosse ontem, do dia em que chegou para trabalhar na Fazenda.
Eu era criança e o olhar daquele homem me comoveu.
A força dos escravos africanos corre em seu sangue e sua disposição para o trabalho é algo que impressiona qualquer um.
Mora em um pequeno quarto embaixo do paiol.
Almoça e janta na casa de outros colonos (confesso nunca ter visto pratos mais altos e cheios do que os dele).
Guarda o dinheiro que ganha para comprar o que mais lhe apraz: relhos, canivetes e botinas, além de indumentárias e arreatas para sua querida mula.
Nos domingos de folga, o que mais lhe agrada é arrear impecavelmente a mula e passear pelos povoados próximos à Fazenda. Não gosta de cidade.
Tem grande estima e apego para com o “Tesouro”, burro que é seu companheiro de trabalho há mais de 15 anos.
Não sabe ler nem escrever, mas carrega o mundo nas costas, o seu mundo: a Fazenda.
Homens assim merecem toda nossa admiração.