quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Cora Coralina

Becos de Goiás

Beco da minha terra...
Amo tua paisagem triste, ausente e suja.
Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.
Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.
E a réstia de sol que ao meio-dia desce, fugidia
e semeia polmes dourados no teu lixo pobre,
calçando de ouro a sandália velha,
jogada no teu monturo.

Amo a prantina silenciosa do teu fio de água,
descendo de quintais escusos
sem pressa,
e se sumindo depressa na brecha de um velho cano.
Amo a avenca delicada que renasce
na frincha de teus muros empenados,
e a plantinha desvalida, de caule mole
que se defende, viceja e floresce
no agasalho de tua sombra úmida e calada.

Amo esses burros-de-lenha
que passam pelos becos antigos. Burrinhos dos morros,
secos, lanzudos, malzelados, cansados, pisados.
Arrochados na sua carga, sabidos, procurando a sombra,
no range-range das cangalhas.

E aquele menino, lenheiro ele, salvo seja.
Sem infância, sem idade.
Franzino, maltrapilho,
pequeno para ser homem,
forte para ser criança.
Ser indefeso, indefinido, que só se vê na minha cidade.

Amo e canto com ternura
todo o errado da minha terra.

Becos da minha terra,
discriminados e humildes,
lembrando passadas eras...

(...)
(Cora Coralina)


Nascida em Goiás Velho/GO, em 20 de agosto de 1889, Cora Coralina Começou a escrever aos 14 anos, fazendo, assim, com que ela fosse repudiada pela sociedade, pois que a poesia não fazia parte das “prendas” de uma moça de família no início do século XX.
Escreveu durante toda a vida e, somente aos 75 anos publicou seu primeiro livro; prova de paciência e, acima de tudo, amor à poesia.
Passou quase todo o século XX desconhecida, tendo somente em 1979, sido revelada ao grande público, após sua obra chegar às mãos de Carlos Drumond de Andrade que, ao elogiar sua poesia, confirmava a qualidade e beleza de seus versos.
Cora Coralina, com sua lírica ingênua e sentimental, rememora o passado fazendo com que sua poesia seja duplamente deliciosa. Seus versos são, além de belos poemas, relatos que documentam a vida, o cotidiano e os costumes do interior de Goiás e do Brasil, no começo do século XX.
Em 10 de abril de 1985, aos 96 anos, Cora Coralina faleceu, deixando o mundo mais triste sem seus versos.

Ana Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas, obrigado!

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