domingo, 21 de janeiro de 2007

João Guimarães Rosa - I

Eu peço licença aos doutores para falar de João Guimarães Rosa.

Centenas de teses sobre João Guimarães Rosa são publicadas anualmente em diversas universidades do Brasil, formando, assim, muitos mestres e doutores na obra desse escritor.
Não sou um deles. Nem sequer cursei Letras.
Contudo, na condição de apaixonado pelos livros de Guimarães Rosa, ouso discorrer sobre algumas de suas obras.
Concordo com o maestro Tom Jobim que “para se entender uma coisa, é preciso amá-la”. E eu amo a escrita de Rosa.
Não sei qual é o meu preferido, pois é difícil eleger um dentre os livros de Guimarães Rosa, assim como também o é mensurar a dimensão de sua obra.
Esclarecimentos devidamente prestados falo aqui de “Cara-de-Bronze”.

Sem dúvida, um dos textos mais belos e enigmáticos de Guimarães Rosa. Redigido como um roteiro cinematográfico, essa novela se passa numa grande fazenda do interior dos Gerais, onde trabalham muitos vaqueiros: no Urubuquaquá.
O texto já começa encantando o leitor que sempre tem na memória a imagem de alguma fazenda antiga, do interior de Minas Gerais:

“A casa – avarandada, assobradada, clara de cal, com barra de madeira dura nos janelões – se marcava. Era seu assento num pendor de bacia (...) A casa, batentes de pereiro e sucupira, portas de vinhático.”

O dono da fazenda, Segisberto Jéia, por alcunha o “Cara-de-Bronze”, é um fazendeiro misterioso que não sai da casa-sede, pois fora acometido por uma paralisia. Os vaqueiros, na maioria, não o conhecem, sendo o acesso à vivenda do patrão restrito a alguns poucos de confiança.
As especulações são muitas:

“O vaqueiro Tadeu: É devera minha gente... ele é magro, empalidecido.
O vaqueiro Adino: Muito morenão...
Moimeichego: Mas, é pálido, ou é moreno?
Outro vaqueiro: Palidez morena...
Outro vaqueiro: Tem partes e tem horas... O alto da cara com ossões ossos...”


Certo dia, o patrão Cara-de-Bronze, depois de avaliar um a um os seus vaqueiros, designa o vaqueiro Grivo para partir em uma viagem misteriosa.

“Vai , um dia, o Grivo arrumou seus dobros, amarrou seus tentos. Selou seu cavalo.
- Subiu a cavalo. No cavalo melhor, do Cara-de-Bronze...”


A viagem do Grivo e, após algum tempo, o seu retorno são comentário geral entre os vaqueiros que trabalhavam no lugar. Todos estão muito curiosos para saber o verdadeiro objetivo da viagem do Grivo.
Diziam que o Grivo fora o escolhido por ser considerado um vaqueiro bom de fala.

“Essas coisas que o Grivo falou:
- Sabiá na muda: ele escurece o gorjeio... Bentevi gritou, papinho dele de alegria de amarelo tanto quase não rebentava... Pássaro do mato em toda parte voa torto – por causa de acostumado com as grades das árvores...”

Na volta, o Grivo conta tudo do que viveu e viu durante suas andanças, com seu jeito peculiar de contar, por meio de respostas evasivas e ambíguas. Descreve nomes de árvores, inúmeras:

“Com que pessoas de árvores ele topou?
- A ana-sorte. O João-curto. O sebastião-de-arruda. O sã-fidélis. O angelim-macho. O angelim-amargo. O guzabu-preto...”

descreve os pássaro:

“Perequitos e maitacas. A maritaca-de-fita-vermelha-atrás-do-bico. O papagaio-trombeteiro. As araras. A alma-de-gato. A codorninha-buraqueira. A juriti-do-peito-amarelo...”

descreve animais e insetos:

“O jacaré tenterê. O sapo mira-lua. A abelha manoel-de-abreu. A vespa joão-caçador mais a vespa maria-rita...”

E, na “Narração do Grivo”, João Guimarães Rosa cria uma das mais belas passagens da literatura mundial, com uma construção inusitada, intercalando o texto com textos de roda-pé, como que conduzindo e explicando ao leitor tudo que o Grivo viu e sentiu.
Além da beleza e encanto das falas dos boiadeiros, a descrição de suas labutas e costumes, o mistério do Grivo e do Cara-de-Bronze, Guimarães Rosa acrescenta à história um violeiro que, da varanda da casa-sede, somente observa e canta, ponteando a viola, oportunidade em que são inseridas na obra muitas quadras de cantigas populares, como as Cantigas de Serão de João Barandão, tornando mais encantadora essa obra-prima da literatura.Posteriormente, Guimarães Rosa esclareceria ao seu tradutor italiano Edoardo Bizzarre que “Cara-de-Bronze” referia-se à poesia, pois que, em várias passagens dessa novela, colocava nos ditos dos vaqueiros “tentativas de definição da poesia”, sendo que a personagem Cara-de-Bronze, depois de fugir de sua terra quando moço e passar toda a vida longe, mandou um vaqueiro seu viajar até sua terra natal, para depois, poder ouvir dele todas as belezas e poesias de lá. Assim, o Cara-de-Bronze mandou, pois, o Grivo buscar poesia!

5 comentários:

Anônimo disse...

Olá, após a leitura de sua mensagem no Orkut, resolvi fazer a visita e ler a homenagem a JGR. Como membro da família do grande escritor mineiro, Joãozito, achei que seria importante dizer que você soubre sintetizar o que é a escrita roseana sem ser acadêmico. Ou seja, simplesmente sendo um leitor de JGR! Parabéns. Este ano são 40 anos da morte e em 2008 o centenário roseano!

Anônimo disse...

Cara-de-bronze retrata um duplo do próprio Guimarães Rosa, quer maior "bandeira" do que esse nome: Moimechego? Vários eus numa só palavra: moi, me ich e ego. Fantástico!
Ah, mas tudo já foi dito sobre o mestre e sua obra, e nada foi dito, paradoxalmente, ainda há um mundo a ser pesquisado!
Você leu meus dois cut-ups sobre o Grande Sertão: Veredas? Tenho a honra de dizer que eles foram lidos pela Silvana Guimarães, editora da Germina, para as mulheres da família do Rosa, recentemente. E lá ficaram arquivados.

Parabéns, Júlio. Continue. Virei aqui sempre que puder, agora que conheci "o caminho das pedras".
Beijo

Júlio César Meireles de Andrade disse...

Obrigado João Paulo, seja bem vindo e volte sempre.

Júlio César Meireles de Andrade disse...

Obrigado Ana.
Gostei muito dos seus textos e tomei a liberdade de botar um link aqui no meu blog.
Seja bem vinda e volte sempre.

Anônimo disse...

necessario verificar:)